O
espiritismo pode ser considerado religião?
Quando
alguém nos pergunta de qual religião somos, respondo sou apenas espírita?
Pensei em escrever sobre esse assunto sem querer convencer ninguém sobre o meu
pensamento, mas sim contribuir para uma reflexão. Sei que haverá aqueles que
discordam, e os respeito profundamente, pois tenho aprendido ao longo da minha
experiência terrena que a única verdade vem de Deus, e que podemos mudar nossos
conceitos a qualquer momento. Há bastante tempo essa discussão permeia o
movimento, com alguns defendendo que o espiritismo é uma religião, outros que é
apenas uma filosofia, e outros ainda que o veem como ciência. Mas busquemos nas
obras da codificação o que o Mestre Kardec nos diz:
O Espiritismo é uma doutrina filosófica que tem consequências religiosas, como qualquer filosofia espiritualista; por isso mesmo, vai ter forçosamente as bases fundamentais de todas as religiões: Deus, a alma e a vida futura. Mas não é uma religião estabelecida, visto que não tem culto, nem rito, nem templos e que, entre seus adeptos, nenhum tomou, nem recebeu, o título de sacerdote ou de sumo sacerdote. (KARDEC, 2016, p. 232).
Com os estudos acadêmicos de Filosofia, comecei a questionar até mesmo essa suposta base religiosa, preferindo não usar essa palavra para designar consequências morais. Um dos pilares dos ensinamentos da Filosofia, defendido pela maioria dos grandes filósofos da história, seria: "não tenha certeza de nada, porque para se chegar próximo da verdade é sempre partindo da dúvida, usando a razão e o bom senso".
Podemos dizer que Kardec foi um grande filósofo, pois para sê-lo não necessariamente é preciso ter cursado uma universidade; basta desenvolver conceitos e defendê-los, trazer algo novo ou melhorar algo que já existe. Primeiro, o mestre lionês nasceu cinco anos depois do término da Revolução Francesa de 1799, nascendo no dia 03 de outubro de 1804. As ideias dos grandes pensadores da época estavam fervilhando. Aqueles que foram responsáveis pelo Movimento Iluminista, como René Descartes, Denis Diderot, Adam Smith, Montesquieu, Rousseau, entre outros, defendiam as ideias de Liberdade, Igualdade e Fraternidade. Essas ideias influenciaram significativamente os franceses. Esses pensadores queriam uma maior liberdade política num regime absolutista, liberdade econômica, liberdade religiosa, e o primeiro movimento foi derrubar a Bastilha, que seria o símbolo do absolutismo do rei, uma prisão onde ficavam os desafetos de sua majestade e ali permaneciam até a morte.
A França já havia sido palco de grandes conflitos religiosos. A igreja predominante era o catolicismo, e quando crescia a ideia protestante, houve o massacre da Noite de São Bartolomeu, quando muitos huguenotes, como eram chamados os protestantes, foram mortos, deixando corpos por toda Paris.
Kardec sofreu grande influência desses pensadores. Anos depois, encontramos em Obras Póstumas uma abordagem do lema da revolução, onde Liberdade e Igualdade fazem parte das leis morais e Fraternidade foi o que Jesus veio nos ensinar, vivendo como irmãos, portanto, três palavrinhas cristãs.
Mas
voltando às nossas reflexões. Quando Kardec teve contato com a fenomenologia da
época, o que o fez estudar sistematicamente, posteriormente denominou que seria
uma Doutrina dos Espíritos e não uma religião. Doutrina significa um conjunto
de conceitos, conforme o dicionário: um conjunto coerente de ideias
fundamentais a serem transmitidas, ensinadas, ideias básicas contidas num
sistema filosófico, político, religioso, econômico, etc. Portanto, no que se
refere à religião, seriam os conceitos morais, porque a palavra religião nos
remete ao dogmatismo inquestionável, rituais e misticismo. Podemos dizer que a
parte religiosa seria no sentido de sentimento, mesmo assim não gosto de usar
esta palavra, porque acaba afastando pessoas que poderiam dar sua contribuição
nas pesquisas, com receio de terem seus nomes ligados às questões místicas e
dogmáticas. A doutrina tem como pilares: Existência de Deus; Imortalidade do
espírito; Comunicabilidade dos Espíritos; Pluralidade das existências; Pluralidade
dos mundos habitados.
Lembro
de ter assistido uma palestra espírita do querido Dr. Décio Iandoli, médico
formado pela Universidade São Francisco de Bragança Paulista. Enquanto falava
de reencarnação, no meio de sua explanação, ele contou que foi solicitado a
escrever um artigo para uma universidade, abordou como temática exatamente a
Reencarnação. Ele disse ter sido rejeitado e devolvido, porque não queriam
ligação com religião, mas a reencarnação não está ligada à religião, e sim a
uma lei biológica, natural. Sendo assim, mudou a terminologia para
"palingenesia" e o artigo foi aceito. Hoje podemos dizer que tanto a Reencarnação
como a mediunidade, já estão sendo estudados em Universidade como: O Núcleo de
Pesquisas em Espiritualidade e Saúde (Nupes), da Faculdade de Medicina da
Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), lançou o inédito “Levantamento
Nacional de Casos Sugestivos de Reencarnação na População Brasileira”.
A Universidade de Virginia, nos EUA, iniciou seus estudos através do renomado psiquiatra Dr. Ian Stevenson, que se dedicou à pesquisa de Memórias Cerebrais Espontâneas, catalogando diversos casos nos quais crianças se lembravam de vidas passadas. Mesmo após o seu desencarne, os estudos continuam. A Psychical Research Foundation, vinculada à mesma universidade, mantém uma revista científica dedicada a todos os aspectos metodológicos da pesquisa que sugerem a sobrevivência após a morte do corpo físico, abrangendo fenômenos parapsicológicos.
Além
disso, há outros estudos sérios no mesmo sentido, como os realizados pelo
americano Morris Netherton, doutor em Psicologia, Edith Fiore, Hans Tendam e
Roger Woolge, todos dedicados à investigação de vidas passadas através da
regressão de memória. Talvez o mais famoso praticante dessa abordagem seja o
psiquiatra norte-americano Brian Weiss, autor do best-seller "Muitas
Vidas, Muitos Mestres". No livro, Weiss relata inúmeros casos clínicos nos
quais a regressão espontânea às vidas passadas resultou em cura imediata para
seus pacientes.
Ficou claro porque não gosto de usar o termo religião e defendo, porém a doutrina tem um proposito e ele é pedagógico, como podemos ver:
Se
o Espiritismo, conforme foi anunciado, tem que determinar a transformação da
humanidade, claro é que esse efeito ele só poderá produzir melhorando as
massas, o que se verificará gradualmente, pouco a pouco, em consequência do
aperfeiçoamento dos indivíduos. Que importa crer na existência dos Espíritos,
se essa crença não faz que aquele que a tem se torne melhor, mais benigno e
indulgente para com os seus semelhantes, mais humilde e paciente na
adversidade? De que serve ao avarento ser espírita, se continua avarento; ao
orgulhoso, se se conserva cheio de si; ao invejoso, se permanece dominado pela
inveja? Assim, poderiam todos os homens acreditar nas manifestações dos
Espíritos e a humanidade ficar estacionária. Tais, porém, não são os desígnios
de Deus. Para o objetivo providencial, portanto, é que devem tender todas as
sociedades espíritas sérias, agrupando todos os que se achem animados dos
mesmos sentimentos. Então, haverá união entre elas, simpatia, fraternidade, em
vez de vão e pueril antagonismo, nascido do amor-próprio, mais de palavras do
que de fatos; então, elas serão fortes e poderosas, porque assentarão em
inabalável alicerce: o bem para todos; então, serão respeitadas e imporão
silêncio à zombaria tola, porque falarão em nome da moral evangélica, que todos
respeitam.
Essa a estrada pela qual temos procurado com esforço fazer
que o Espiritismo enverede. A bandeira que desfraldamos bem alto é a do
Espiritismo cristão e humanitário, em torno da qual já temos a ventura de ver,
em todas as partes do globo, congregados tantos homens, por compreenderem que
aí é que está a âncora de salvação, a salvaguarda da ordem pública, o sinal de
uma era nova para a humanidade.
Convidamos, pois, todas as sociedades espíritas a colaborar
nessa grande obra. Que de um extremo ao outro do mundo elas se estendam
fraternalmente as mãos e eis que terão colhido o mal em inextricáveis malhas. (O
Livro dos Médiuns, 2ª Parte, cap. XXIX, item 350.)
A
doutrina é, sem dúvida, um consolo para as nossas almas. Aqueles que se
aprofundam em seu estudo, refletem sobre ela e a compreendem, não podem deixar
de se empolgar, pois o esclarecimento é exatamente o que precisamos para o
conforto da alma e a ferramenta para o equilíbrio moral. A religião é uma
invenção dos homens, que sempre foi usada como forma de dominação e
aprisionamento. Diferentemente do espiritismo, que nos liberta da ignorância
moral, nos dando a responsabilidade de caminhar por nossas próprias pernas. Não
existem culpados, não há um Deus que pune, mas está em nossas mãos a construção
de um amanhã mais feliz. Vale lembrar que Jesus também não veio fundar uma
religião; ele veio apenas como missão para reforçar as Leis Divina, que têm
como base o amor, principalmente o amor a Deus e ao próximo como a ti mesmo.